Demetria
era supostamente uma garota normal da aldeia, exceto que ninguém é realmente
normal. Em lugar nenhum e certamente não na aldeia de Buruma. Mas ela não
surpreendia mais do que qualquer pessoa surpreende somente por existir. Era
alegre, divertida, cheia de amigos, inteligente e trabalhadora e, claro, cheia
de opiniões. O problema com pessoas com opiniões demais é que acabam se
convencendo de que estão quase sempre certas e esquecem-se de que outras
pessoas podem ter suas próprias opiniões e também acreditarem estarem certas.
Haryn era outra pessoa cheia de opiniões e Demi nunca gostou de Haryn. Achava-o
sem graça, sem assunto, grosso e, obviamente, metido demais achando que suas
opiniões eram sempre a verdade. Mas ele quase nunca falava e quando falava era
para praguejar e lhe dar ordens e, embora ele não fosse seu chefe, tinha que
obedecer, afinal ela servia na taberna de Josh e se alguém lhe pedisse uma
caneca de lapo negro, ela tinha que atender. E Haryn estava sempre pedindo uma
caneca de alguma coisa. Uma vez o viu beber uma cornada de acolino puro, de uma
golada só. Talvez se ficasse sóbrio por tempo suficiente tomaria consciência do
quão repugnante é, então preferia estar sempre bêbado, ela pensava. Mas Josh
gostava dele, mesmo sem ninguém entender por que, e dizia que ele era um
excelente guerreiro e muito sábio. Demi achava que Josh estava começando a
perder o tino devido à idade.
Josh
era seu pai adotivo. Devido a algum acidente, que variava de natureza a cada
vez que era contado, ela havia perdido os pais ainda bebê e Josh a acolhera e
criara. Muito bem, há que se dizer. Ela o ajudava na taberna desde os 14 anos,
antes ele nunca permitira. Dizia que ela tinha que cuidar da mente. Ensinou-a
ler, escrever e pensar, embora ele sempre dissesse que não se ensina um
indivíduo a pensar, apenas se oferece as ferramentas. Em alguns dias dizia a
Demi que ela pensava demais, mas ela sempre conseguia perceber a satisfação em
seus olhos por trás das palavras zangadas.
O
amor de Josh pela leitura só era superado pelo de sua pupila e, ainda que
pergaminhos fossem bastante raros na aldeia – apenas vistos com mercadores que
passavam por lá, como relíquias, ou na casa dos mais abastados –, Josh sempre
aparecia com algum novo, com histórias maravilhosas de elfos e homens do sangue
dos dragões. Estas eram suas histórias preferidas, embora lesse todas,
inclusive as que considerava mais chatas, como as que explicavam a posição das
principais aldeias e castelos. Josh dizia que sempre era bom saber onde estava
o que, tanto para procurá-lo quanto para evitá-lo. “Não se quer dar de cara com
um dragão por acaso, eh?” Bem, ela não se importaria. Sempre quis ser amiga de
um dragão.
Seus
amigos na aldeia sempre reclamavam de seus pais em algum momento e, às vezes, mesmo
parecendo descaso e maldade, Demi se sentia com sorte por seus pais terem
morrido e ela ter sido criada por Josh. Ele era incrível, inteligente e sempre
foi bom com ela. Nunca sequer tocou no assunto de casamento, pelo que era muito
grata, e sempre que ela via aqueles olhos escuros naquela cara mole e barbuda
não conseguia evitar um sorriso e a sensação de segurança. Haryn dizia que era
porque era burra, já que ninguém estava seguro nunca, mas ela não dava atenção
a seu pessimismo e mau humor. Ele a irritava de todas as maneiras possíveis e,
no entanto, ela sabia que sempre podia contar com ele e sabia que ele jamais
faria nada que a machucasse. Não porque gostasse dela, não! Mas por sua amizade
com Josh, que provavelmente devia obrigá-lo a proteger o que ele chamava de
“pirralha de cabelo de fogo”. Um dia Moren derrubou uma caneca de lapo negro no
vestido de Demi, manchando-o todo, e antes que ela pudesse se recuperar da
surpresa e aceitar as desculpas do padeiro, Haryn já estava partindo para cima
do sujeito. O pobre Moren não apareceu na taberna por uma semana e só voltou
depois que ela lhe garantiu que não estava zangada com ele de modo algum e que
Josh lhe disse que Haryn não o importunaria mais.
Não
sei se por causa de seu “amigo” zangado ou pela simpatia de Josh, todos sempre
trataram Demi com muita bondade e respeito. Ela sempre pensava que eles tinham
sorte de viverem em uma aldeia tranquila como Buruma, pois ouvia histórias
absurdas de outras aldeias da vizinhança. Ela tinha vários amigos lá, mas seus
dois inseparáveis companheiros eram Artur e Bernardo. Artur raramente entrava
na taberna, porque ocupava muito espaço, e como o estabelecimento estava sempre
cheio ele não conseguia entrar mesmo se quisesse. Artie trabalhava com o
ferreiro, puxando suas grandes engrenagens, mas no fim de seu expediente sempre
passava pela parte de trás da taberna e Demi dava uma escapadinha para falar
com ele. Nos dias de folga, passava o tempo todo com eles, mas não era sempre
que os dias de descanso dos três coincidiam.
Bernardo
trabalhava na taberna com ela e conseguia servir os clientes muito bem agora,
mesmo tendo se atrapalhado muito no início, não conseguindo segurar as bandejas
com suas patas grandes. Mas agora ele era o urso mais habilidoso em servir
mesas da região. Artur quis trabalhar na taberna também, mas a experiência não
deu muito certo. No fim do dia ele tinha quebrado duas mesas e escoiceado um
mercador que bateu nos seus quartos para pedir mais uma caneca de lapo. Quando
Josh lhe disse que infelizmente não poderia trabalhar ali, ele disse: “Ainda
bem! Poderia quebrar uma pata nesse lugar tão apertado”. O edifício da taberna
não era pequeno, mas Artur era o maior cavalo que qualquer um ali já tinha
visto. Subir as escadas para ir até a casa, no piso superior, não era nem uma
opção.
Bernardo
também era tão grande quanto um urso marrom poderia ser, mas ele era habilidoso
o suficiente para não deixar que seu tamanho atrapalhasse e, sendo uma fonte
inesgotável de histórias e anedotas, todos o adoravam.
Quando
os mercadores chegavam à aldeia, Josh fechava a taberna por uma semana inteira,
já que sempre havia todo tipo de bebidas no pavilhão da feira dos mercadores, e
então Artur, Bernardo e Demi tinham toda liberdade e dinheiro que poderiam
querer. Na segunda semana Josh voltava a abrir, já que os mercadores adoravam o
lapo da taberna, tanto o negro quanto o dourado, e geralmente nessa semana eles
lucravam o suficiente para um ano todo. Os mercadores eram generosos com seu
dinheiro quando se tratava de boa bebida.
Os
mercadores vinham uma vez a cada seis meses e ficavam por duas semanas na
aldeia. Lá se fazia duas festas para celebrar o que chamavam de quinzentina. A
festa de abertura, que acontecia no dia em que chegavam, e a festa de
encerramento, celebrada um dia antes de partirem. Mas para Demi e seus amigos,
todos os dias eram de festa e eles aproveitavam todas as quinzentinas muito
bem. A próxima quinzentina seria em cinco semanas e já estavam todos
alvoroçados. Artur queria uma capa dourada para usar na festa de abertura e
Demi estava tentando convencê-lo de que dourado não combinava com seu pelo
avermelhado e brilhante, mas ele não queria ouvir e ela certamente não
desistiria.
Bernardo
estava pensando em um colete de couro negro com bordas brancas e a garota achava
que lhe cairia muito bem. Demi usaria seu vestido branco com ramos vermelhos na
barra e nas pontas das mangas longas, com um cinto de couro de dragão vermelho,
bem fino para não parecer exagerado. Seu cabelo estaria trançado com tiras de
couro branco, pois ela sempre achava que o branco caia bem no meio de toda a
vermelhidão de seu cabelo. Estaria bonita, com certeza.
Demi
ouvira dizer que haveria mais que dois menestréis dessa vez, o que a fez ficar
ainda mais ansiosa. Os menestréis eram a sua atração favorita, junto com os
contadores de histórias. Em seus sonhos secretos sempre se imaginava casada com
um dos cantores poéticos do reino, mas nunca dizia isso a ninguém. Ririam dela
e ela odiava que rissem dela. Mas sua maior preocupação até a quinzentina era
fazer com que Artie mudasse de ideia em relação à cor de sua capa para que ela
pudesse costurá-la logo. E achava que tinha encontrado uma maneira de
convencê-lo.
No
dia em que colocou seu plano em ação Josh a encarou com olhos divertidos e interrogadores.
Ele sabia que ela detestava dourado porque o contraste com o vermelho vivo de
seu cabelo fazia com que parecesse algum tipo de chama estragada. E quando lhe
perguntava o que era uma chama estragada ela simplesmente respondia “Não
importa o que é de verdade, importa que é o que eu vejo no latão quando visto
dourado!” Nesse dia ela esperava que o brilho do sol lá fora acentuasse o
absurdo da combinação.
–
Demi!
Era
a voz de Artie na janela.
–
Artie! Veio mais cedo hoje?
–
Não. Que vestido é esse?
–
Ganhei de aniversário ano passado.
–
Nunca tinha visto. Você fica bem nele e é esse dourado que quero para minha
capa.
–
O quê? Artie, você está cego? Esse vestido não fica nada bem em mim porque
vermelho não combina com dourado!
–
Isso é o que você diz. Para mim combina e muito combinado, como feno e água, é
uma questão de gosto.
–
Gosto? Não! A menos que você tenha gosto em parecer ridículo.
–
Não me importa sua opinião.
–
Por favor, Artie! Eu estou fazendo isso pelo seu bem.
–
Mas eu quero uma capa dourada! E já comprei os panos, não tem volta...
–
Eu faço uma capa dourada para você, mas não para a festa, tudo bem?
–
Por que não para a festa?
–
Porque eu quero todos de branco.
–
Bernie não vai de branco.
–
Seu colete tem bordas brancas...
Artie
ficou pensativo.
–
Mas eu não tenho panos brancos e não quero gastar mais dinheiro com isso.
–
Eu compro.
–
E você promete que terei minha capa dourada também?
–
Sim, prometo.
–
Para a festa de encerramento?
–
Veremos...
–
Tudo bem então, que seja branco.
–
Obrigada, Artie, você é demais! Tenho que voltar agora, até amanhã!
–
Vai, desnaturada, me impedindo de usar o que quero só porque não gosta de
dourado, eu gosto, oras...
Ainda
podia-se ouvir Artie resmungando enquanto ela se afastava, mas não importava.
Ele não usaria dourado. E ela não ficaria nem mais um segundo com aquele
vestido horroroso.
O
tempo de Demi nas próximas semanas era dividido entre ajudar na taberna,
costurar a roupa de seus amigos e ler um pergaminho particularmente chato sobre
todas as montanhas ao norte da Grande Fonte. Mas sempre que percebia que Josh
não estava de olho, mudava para um pergaminho sobre a história dos primeiros
homens do sangue dos dragões. O fato de nunca saber se aquilo tinha acontecido
mesmo ou eram só histórias a deixava fascinada. Mas como poderia ter
acontecido? Seria possível que os dragões se sujeitariam a um acordo com os
homens? E por que o fariam? O pergaminho que estava lendo dizia ser por
necessidade, embora não explicasse de que tipo, mas já lera em outros que um
homem ameaçou os dragões. Mas Demi não conseguia imaginar qualquer ameaça que
pudesse amedrontar todos os dragões, principalmente o Grande Ulmur.
Com
a mente ocupada com todas essas questões não percebeu que estava murmurando e
que Josh havia se aproximado e quase caiu da cadeira quando ele disse:
–
Por mais alto e forte que Ulmur fosse, duvido que fosse uma montanha.
–
Josh! Quer me matar de susto?
–
Não, mas custa terminar o pergaminho das montanhas? Não é tão ruim assim.
–
Mas é tão chato e tão inútil.
–
Não duvido da utilidade de saber os pensamentos secretos de Ulmur, o Grande,
mas, digamos, que é muito mais provável que você tenha que lidar com as
montanhas do norte do que com Ulmur e sua raça.
–
Não necessariamente. Se qualquer coisa pudesse fazer com que me dirigisse ao
norte, quem poderia me garantir que não encontraria Ulmur?
–
Eu.
–
E como pode ter tanta certeza?
–
Por que Ulmur está morto, oras.
–
Tá mesmo?
–
Como assim, tá mesmo? Claro que tá!
Da
taberna veio o som de uma caneca se quebrando e o rugido de Bernie.
–
Anda, larga isso e vai trabalhar. Já leu demais por hoje. O pobre coitado do
Bernie deve estar todo esbaforido.
Sem
esperar nem mais um segundo ela desceu as escadas. Gostava de trabalhar e se
divertia na taberna e já que não podia ler sobre os homens do sangue dos
dragões preferia a cara feia de Haryn às montanhas do norte.
Quando
chegou lá embaixo Bernie já havia limpado os cacos da caneca quebrada, mas
ainda tinha a cara zangada.
–
O que aconteceu, Bernie?
–
E eu sei? Tava atendendo a mesa e de repente uma caneca quebrou no balcão, sem
motivo nenhum.
–
Foi o vento. – Disse Haryn.
–
Não foi a porcaria do vento, porque não tem vento! – Disse Bernie zangado.
–
Talvez tenha sido você, Haryn.
–
Talvez tenha, mas você nunca vai saber, vai, pirralha?
Virando
as costas para Haryn, ela tentou acalmar seu amigo:
–
Não ligue, Bernie, foi só uma caneca, deixa pra lá.
–
Não gosto dessas coisas. Tem que ter uma explicação, nada quebra assim, sem
nenhum motivo. Não gosto disso, não gosto.
–
Também não gosto, Bernie, mas ficar nervoso não vai explicar nada. Deixa pra
lá!
Ainda
resmungando Bernie foi servir as mesas enquanto Demi assumia o balcão. Ela
odiava quando tinha que ficar no balcão, porque era onde Haryn sempre ficava.
Mas não tinha escolha já que Josh tinha coisas a fazer lá em cima e só voltaria
mais tarde.
Por
mais que Haryn a irritasse, Demi nunca deixava de sentir curiosidade sobre o
homem. O que será que teria feito para ganhar a confiança de Josh? Como poderia
ser sábio e um guerreiro se só ficava na taberna bebendo? Se bem que sumisse
por uns dias de vez em quando, mas não havia nenhuma guerra em curso, nada para
lutar, nenhum lugar para ser guerreiro. Quantos anos teria? Demi não tinha a
mínima ideia sobre nada disso e por mais que odiasse o modo como ele a
desprezava e o jeito rude com que respondia suas perguntas, nunca desistia de
tentar descobrir o que quer que fosse sobre ele. Mas ela sempre tentava não
perguntar diretamente. Achava que teria mais chance de sucesso se disfarçasse o
que realmente queria saber, então pensou em perguntar sobre os homens do sangue
dos dragões, assim, talvez, conseguiria algumas informações sobre isso também.
–
Oh, Haryn! O que você sabe sobre os homens do sangue dos dragões?
Ele
sempre a olhava como quem queria matá-la só por ter ousado abrir a boca antes
de responder.
–
Que não existem mais.
Mas
ele sempre respondia, mesmo que fosse uma resposta idiota.
–
Isso todo mundo sabe. Mas você deve saber alguma coisa de quando eles ainda
existiam. Josh diz que você é tão sábio...
Dessa
vez parecia que ele não ia responder, mas depois de passar uns bons minutos
encarando Demi ele começou a falar.
“Os
homens do sangue dos dragões era uma raça muito poderosa, que não existe há
mais de 300 anos, mais ou menos. Mesclaram seu sangue com o dos dragões há
milênios atrás por meio de um acordo jamais revelado e um ritual secreto.
Shaian e Ulmur foram os representantes das duas raças que deram início à união,
que tinha que ser renovada a cada mil anos, pois o poder do sangue dos dragões
enfraquecia com o tempo no sujo sangue dos homens. No ano da Última Renovação
algo deu errado e o representante humano do ritual foi assassinado. Ninguém
sabe o nome do humano, pois embora fosse o reinado do Rei Tomus, ele foi
encontrado morto em seu castelo e as histórias dizem que o corpo encontrado era
de uma mulher. Supõe-se ser sua rainha, mas ninguém nunca se interessou muito
sobre o assunto.”
Ele
parou para tomar um gole de seu corno e Demi voltou a fazer perguntas.
–
Mas quem iria querer assassinar os homens do sangue dos dragões? E por quê?
Quem poderia ser? E os dragões, o que fizeram?
–
Não fizeram nada, o que iriam fazer? Não havia nada que pudesse ser feito. Os
dragões se esconderam com medo de serem assassinados e esperaram para ver o que
essa criatura iria fazer. Mas nada foi feito e nada aconteceu. Como o reino
precisava de um novo rei, um escriba, fiel a Tomus, assumiu como rei, já que
ele era o único dos sobreviventes com conhecimento aceitável para governar. Com
o choque de ver toda a família real assassinada, ninguém se opôs. Seja por medo
ou por conveniência. Assim começou a nova linhagem real. Nem de longe tão nobre
quanto a anterior e com um décimo da longevidade daqueles do sangue dos
dragões, mas é o que temos.
–
Mas quem, quem poderia querer e poder matar toda a linhagem? Por que motivo?
–
Ninguém sabe, né, pirralha! Quando Auri, o Escriba assumiu o reino disse que
ficaria de olho, mas para sorte dele nada aconteceu até sua morte. Gostaria de
ver o que Auri, o Mão de Pena, faria contra o assassino de Tomus. HA! Queria
mesmo ver! Muitas pessoas desapareceram desde que tudo isso aconteceu, mas nada
muito mais alarmante do que sempre foi, embora alguns defendam que esse ser
maligno continue por aí tramando algo, mas se isso é verdade ou não eu não sei
e sinceramente não me importo.
–
Não se importa ou tem medo? – Disse Demi maliciosamente.
Os
olhos de Haryn brilharam perigosamente em sua direção e dessa vez ele não
respondeu. Nada disso que ele contara era grande novidade para Demi, mas ela
precisava dar rodeios para perguntar o que realmente queria.
–
Nossa, você sabe tudo isso como? Você lê?
–
Já li.
–
Quando era novo?
–
Quando podia.
–
Quantos anos você tem?
–
Mais do que você. – Disse levantando e saindo. Ainda na porta gritou: – Diz
para Josh me encontrar na saída da aldeia em uma hora.
–
Ele tá ocupado, não sei se vai poder.
–
Só dá o recado, pirralha!
–
Não, espera! Só uma última pergunta!
Ele
parou, impaciente.
–
Sim?
–
Por que os dragões não fizeram um novo acordo com Auri?
Ele
a encarou por alguns segundos antes de dizer:
–
Porque eles não gostavam da cor do cabelo dele. – E saiu batendo a porta.
As
semanas que antecederam a quinzentina passaram rápido para Demi. Com toda a
costura que precisava fazer, o trabalho em convencer Artie a não usar a capa
dourada no encerramento e o trabalho na taberna, ela nem viu o tempo passar. O
fato de Haryn estar ausente também ajudou, já que sem a sua carranca por perto
o ambiente se tornava muito mais agradável na opinião dela. No fim do
expediente da antevéspera da quinzentina, Moren falou que pelo menos dois
contadores de história iriam contar a história da Última Renovação e finalmente
revelar o segredo do ritual dos dragões. A cada quinzentina aparecia pelo menos
cinco contadores de história e até alguns menestréis afirmando revelar o ritual
secreto dos dragões e todos iam para ouvir, inclusive Josh e Haryn. Demi sempre
elegia um favorito por ano e depois tentava buscar nos pergaminhos alguma coisa
que confirmasse a veracidade da história, mas nunca conseguia nada e Haryn
sempre a chamava de idiota por sequer pensar em acreditar naquela baboseira. A
preferida de Demi até hoje tinha sido a versão que ouvira na última
quinzentina, em que o dragão engolia o representante dos homens e depois o
cuspia numa labareda de fogo. Ela estava ansiosa para ver qual versão maluca
iriam inventar dessa vez.
No
dia seguinte Josh a dispensou do trabalho para terminar a tempo a roupa de
Bernie e Artie e Bernie teve que subir pelo menos duas vezes para provar seu
colete, até ficar completamente satisfeito. Como sempre, agradeceu Demi com um
grande abraço e uma focinhada. Ela adorava. Já com Artie não era tão fácil.
Como ele não podia subir e Lote, o ferreiro, não permitia que ele fosse até à
taberna em horário de serviço, Demi tinha que levar sua capa até lá. Felizmente
a capa ficou perfeita e ela não teve que fazer todo o caminho novamente. Uma
grande capa branca com ramos vermelhos e negros na beirada, assim como o
vestido dela.
–
Gostou, Artie?
–
Nossa, nossa! Nossa! – Era tudo que Artie conseguia dizer enquanto se virava
para todos os lados e experimentava um rápido trote pra ver como a capa ficaria
ao vento.
–
Que bom que gostou. Viu, tem essa capa linda, sua capa cor de creme do
encerramento e mais a sua capa dourada, que você pode usar quando quiser.
–
A capa dourada já está pronta?
–
Ainda não. Dei preferência para as roupas de amanhã, claro, mas está quase
pronta.
–
Posso passar mais tarde para ver?
–
Claro, Artie. Agora me deixe tirar a capa e voltar pra casa. Ainda tenho que
fazer alguns ajustes nas roupas de encerramento e Lote já está de cara feia,
veja lá.
–
Ah é... passo lá mais tarde. – Disse Artie enquanto se aproximava para Demi
poder tirar a capa e voltar saltitante para casa. Ao longe já se podia ver o
grande pavilhão, quase pronto para receber os mercadores na manhã seguinte.
Demi não conseguia imaginar ser possível maior felicidade do que ela estava
sentindo naquele momento.
Na
noite que antecedia o início da quinzentina a taberna sempre tinha um movimento
menor e às oito horas Josh já havia fechado e saído para ajudar nos últimos
preparativos do pavilhão. Demi, Artie e Bernie se reuniriam no galpão no fundo
da taberna que, durante as próximas duas semanas, seria a casa de Artie e
Bernie. Toda quinzentina eles faziam isso, era mais fácil. Depois de deixar as
roupas para a festa do dia seguinte impecáveis, Demi desceu para combinar os
últimos detalhes com os amigos. Quando estava saindo pela porta lateral trombou
com uma figura grande e forte. Antes que pudesse gritar a figura tapou sua boca
e falou:
–
Sem gritar.
Era
Haryn. Estúpido e silencioso Haryn. O coração de Demi estava disparado e além
de assustada estava muito, muito brava.
–
Você é louco? Acha que pode fazer isso, seu idiota?
–
O que, exatamente? Abrir portas e passar por elas? Creio que sim.
–
Seu estúpido! Quase me mata de susto!
–
Sério? Achei que você fosse corajosa e não tivesse medo de nada. – Disse ele em
tom zombeteiro.
–
Você é um idiota, é isso o que você é! Vou contar tudo para o Josh.
–
Uh! Agora fiquei com medo. Onde ele está? Preciso falar com ele.
Ela
pensou em não responder, virar as costas e fingir que ele não existia, mas
sabia que se fizesse isso Josh ficaria triste com ela, então respirou fundo e
disse:
–
Está no pavilhão.
Ele
virou as costas e saiu, sem dizer nada, e ela ainda nervosa pelo susto gritou:
–
Por que voltou, hein? Ninguém sente sua falta mesmo. Podia ter ficado por onde
estava.
Ele
parou, deu aquele sorriso horroroso dele e respondeu:
–
Saudade de você, pirralha. – E continuou andando.
Demi
não se conformava com a ousadia daquele homem odiável e pensou que falaria com
Josh. Pelo menos ele teria que lhe dizer por que ela era obrigada a suportá-lo.
Pelo menos isso. Depois de passar alguns minutos ainda fervendo de raiva, saiu
e foi para o galpão encontrar os amigos.
E
finalmente a quinzentina chegara. Demi acordou ansiosa e feliz e escolheu um
vestido leve para passar o dia, pois estava calor. Josh já havia saído, então
ela correu para acordar Artie e Bernie, mas ambos já estavam de pé e animados.
–
Não vou usar roupa durante o dia, está muito quente e assim meu colete de festa
vai se destacar ainda mais à noite. – Disse Bernie
–
Tá metido hein.
–
Ah, Demi, eu poderia usar minha capa dourada, né?
–
Não, Artie! Está quente e nesse sol você iria cegar as pessoas com aquela capa.
–
Não entendo sua implicância com minha capa.
–
Não é implicância, eu só acho que não combina.
–
Depois da quinzentina vou usá-la todos os dias, só para te atormentar.
–
Eu sei.
–
Se vocês já terminaram a troca de farpas, podemos ir?
–
Claro!
Quando
os três amigos chegaram ao pavilhão o relógio de pedra do centro ainda não
marcava dez horas da manhã, mas já havia muitas pessoas por lá e mais gente
chegando. Muitos mercadores já tinham suas barracas montadas e já vendiam suas
mercadorias e muitos mais estavam chegando para apresentar seus produtos.
Bernie
já estava parado em frente a uma barraca de potes de mel e Demi e Artie sabiam
que ele passaria um bom tempo lá.
–
Vem, Artie, vamos dar uma olhada naqueles tecidos, se o Bernie precisar de
dinheiro ele procura a gente.
E
assim eles passaram toda a manhã. Almoçaram nas barracas de comida dos
mercadores, pois era a única oportunidade que tinham de comer comidas
diferentes de lugares distantes. Havia frutas que só eram encontradas no Norte
e havia carnes de animais estranhos. Mas era tudo delicioso e diferente.
Durante
a tarde eles continuaram em sua missão de reconhecimento das barracas e suas
especiarias. Havia uma delas com uma diversidade de pedras de várias cores e
tamanhos. Algumas dessas pedras eram safiras e esmeraldas, mas havia também
pedras não preciosas, apenas para enfeitar a casa e Demi adorava essas.
Uma
delas era de um vermelho muito parecido com o cabelo de Demi e Bernie ficou
maravilhado com a semelhança.
–
Demi, você precisa comprar essa, é a sua cara. Se você não comprar, eu compro.
Demi
olhava diretamente para a pedra e parecia nem ouvir Bernie. Nem mesmo parecia
uma pedra, parecia mais um pedaço muito espesso de vidro vermelho, muito
vermelho.
–
De onde vem essa pedra? – Perguntou Demi.
–
Vem de uma das altas montanhas dos dragões, menina. Meu marido encontrou essa
pedra em uma de suas viagens e quando perguntou a um viajante, ele jurou que
era das montanhas dos dragões, ele jurou, menina.
–
Tudo bem, não tem importância, era só curiosidade. Vou levar.
–
Muito bom, muito bom. Mais alguma coisa?
–
Sim, vou levar também essa azul e essa preta, que são parecidas.
–
Muito bom, muito bom, criança. São três moedas.
Enquanto
se afastavam da barraca, a mulher olhava com um olhar curioso para os três
amigos, mas nenhum deles percebeu, pois estavam todos tagarelando sobre suas
compras do primeiro dia.
–
Bem, acho que já está na hora de irmos para casa levar nossas compras e nos
prepararmos para a festa de abertura. – Disse Demi.
–
Mas já?
Demi
riu. – Artie, ainda temos 14 dias de quinzentina, você vai ter tempo de sobra.
–
Eu sei, mas é que o primeiro dia é tão legal.
–
Mais legal ainda é a festa. Vamos logo, tenho que lavar meu cabelo.
Já
passava das quatro horas quando chegaram à taberna e encontraram Josh e Haryn
conversando baixo. Demi abraçou Josh e fingiu não ver Haryn, que estava com seu
sorriso de zombaria no rosto, como sempre.
–
Como foi o primeiro dia? Comprou muita coisa? – Perguntou Josh.
–
Só algumas coisinhas. Todos sabem que os mercadores guardam o melhor para o
final.
–
É verdade.
–
Bem, vou ajudar Artie a tomar banho e depois tenho que lavar o cabelo.
–
Tem mesmo, nem parece mais vermelho e sim marrom de tanta sujeira. – Disse
Haryn sorrindo.
Demi
não respondeu, só lançou um olhar de paralisar dragão a ele e por um momento
pensou ver medo em seus olhos e seu sorriso vacilar, mas foi só impressão. Josh
não dizia nada, apenas balançava a cabeça para a teimosia dos dois.
Depois
de ajudar Artie – e até mesmo Bernie – a ficar limpo e cheiroso, Demi subiu
para o seu banho e combinou de se encontrar com os amigos às sete horas. Aisni,
uma garota da aldeia e amiga de Demi, a ajudaria com o cabelo. Pela primeira
vez Demi havia decidido fazer algo com o seu cabelo para a festa ao invés de ir
com ele solto, como sempre fizera. Seu plano original era trançá-lo com fitas
brancas, mas Aisni dera uma ideia diferente e Demi adorou.
Quando
as meninas desceram, Artie e Bernie já estavam esperando. Artie em sua capa
branca e com o pelo brilhando e Bernie com seu colete preto e branco sobre seu
pelo marrom avermelhado limpo e escovado. Haryn e Josh também já estavam
prontos para ir. Josh, como sempre, muito bem vestido, mas com simplicidade e
Haryn nem parecia ter tomado banho ou mudado de roupa. Todos olharam quando
Demi desceu, pois ela estava deslumbrante. Seu vestido branco fora feito a
partir de um desenho que ela havia visto em um livro de História, que falava
sobre a linhagem dos homens do sangue do dragão. Era branco e com ramos
vermelhos na barra e nas mangas, um decote modesto e mangas longas e largas a
partir do cotovelo. Seu cabelo fora preso de maneira que parecesse apenas ondas
vermelhas em seu couro cabeludo e fitas brancas bem finas para enfeitar.
Demi
estava feliz com os olhares de Artie e Bernie e Josh estava encantado com sua
filha, podia-se ver lágrimas querendo saltar de seus olhos, mas o que mais
chamou a atenção de Demi e a deixou espantada foi o olhar que viu nos olhos de
Haryn. Não sabia o que era, mas pela primeira vez ele não estava zombando dela.
Isso durou apenas alguns segundos, pois Haryn virou-se e foi para fora.
–
Minha filha, você está linda!
–
Realmente, Demi, você parece uma princesa. – Disse Bernie. – E você também,
Aisni, está muito linda.
As
meninas sorriram. Aisni tinha o cabelo cor de ouro que caía em cachos bem
definidos até metade de suas costas e vestia um vestido azul da cor do céu.
Prendera parte do cabelo com um laço da cor de seu vestido.
–
Obrigada, vocês! Mas só estão falando isso porque são meus amigos. Aisni está
mesmo linda.
–
Ora, Demi, digo o mesmo! Mas não tem problema. Estamos todos lindos e vamos à
festa!
Todos
assentiram animados e saíram. Haryn não estava à vista, mas logo que chegaram perto
da grande barraca no centro, onde a festa se realizaria, Josh se afastou e foi
encontrá-lo perto de um dos grandes troncos que servia para suportar a barraca.
Demi olhou para Haryn, ainda não entendendo o que tinha acontecido um pouco
antes e se sentiu ainda mais incomodada, mesmo ele não tendo lançado sequer um
olhar em sua direção agora. Mas era dia de festa e não queria estragar as
coisas pensando naquele homem desagradável.
Muitas
pessoas já estavam chegando para a festa, todas muito bem vestidas. As festas
de abertura e de encerramento da quinzentina eram as únicas que aconteciam na
aldeia, então praticamente todos estavam lá, mesmo os doentes faziam um esforço
para não perderem a festa.
O
grupo de amigos parou perto de uma barraca que vendia hidromel e cada um
comprou um copo. Enquanto estavam bebendo, rindo e conversando, a banda começou
a tocar; logo depois Ethan convidou Demi para dançar e ela foi. Em seguida Bunn
apareceu e convidou Aisni; Artie e Bernie ficaram se contorcendo em seus lugares,
e chamavam aquilo de dança.
–
Nossa, Demi, você está muito bonita! – Disse Ethan.
–
Obrigada, Ethan. – Respondeu Demi, toda tímida. Gostava de Ethan e sabia que
ele gostava dela, mas era tímida demais para admitir isso para ele ou mesmo
para qualquer pessoa, inclusive ela. Mas estava muito feliz em saber que ele
havia gostado de como ela estava.
Demi
dançou três músicas com Ethan e depois foi para junto dos amigos. Aisni também
estava lá e as meninas estavam cheias de segredos e risinhos.
–
Mas que tanto vocês cochicham? Deve ser muito engraçado mesmo...
–
Coisas muito sérias, na verdade, Artie.
–
É, como se a gente não soubesse que estão falando dos meninos.
–
Não estamos falando dos meninos nada! – Disse Demi, ficando vermelha. Não
gostava que seus amigos pensassem nela como uma menina boba que queria um
namorado.
–
Tudo bem, Demi. – Disse Bernie – É normal você querer falar dos meninos.
–
Mas eu não estou! – Disse ela ainda mais envergonhada.
–
Então não está, pronto! – Disse Bernie, mas ele e Artie estavam se divertindo,
pois sabiam como Demi ficava brava com assuntos como esse. – Artie e eu vamos
dar uma volta e logo voltamos.
Depois
que eles saíram, Aisni perguntou:
–
Por que você não diz pra eles?
–
Não gosto de falar sobre isso com eles... não entenderiam.
–
Claro que entenderiam, Demi. Admite, vai, você tem vergonha.
–
Tenho nada! Só não é da conta deles.
Aisni
sabia bem como Demi era e que nunca admitiria, mas era engraçado ver como
ficava vermelha de vergonha por saberem exatamente o que queria esconder.
–
Vem, Aisni, vamos dar uma volta também.
E
elas começaram a circular por entre as pessoas. Não viram sinal de Artie e
Bernie, ou mesmo de Josh, mas Haryn estava ainda no mesmo lugar, agora
conversando com um homem de fora, provavelmente um mercador. Parecia
despreocupado e quase feliz e Demi nunca o tinha visto assim. Ficou olhando por
um tempo até que Haryn se virou e olhou-a e o desprezo estava de volta aos seus
olhos. Demi fingiu nem se importar e continuou andando, olhando para o outro
lado.
Logo
depois Ethan apareceu e pediu para falar com Demi. Aisni a encorajou a ir e
saiu em silêncio. Ethan deu uma flor vermelha para Demi, que a fez ficar da
mesma cor.
–
Obrigada!
–
É para você se lembrar de mim quando estiver em casa.
–
Eu me lembro. – Disse apressada e imediatamente se arrependeu. – Me lembro de
todos os meus amigos. – Completou desajeitadamente.
–
Eu sei. – Disse ele, mas estava sorrindo. – Demi, você sabe que eu gosto de
você, não sabe?
Ela
sabia, mas não diria isso. Na verdade ela não sabia o que dizer. Abriu a boca e
fechou novamente, olhou para o lado e viu que Bunn também estava falando com
Aisni, que sorria. Será que todos os meninos de Buruma haviam resolvido se
declarar hoje? Quando olhou novamente em direção a Ethan, ele estava muito mais
próximo e, antes que percebesse o movimento, ele a beijou.
O
beijo foi rápido, mas pareceu uma eternidade para Demi. Era seu primeiro beijo;
ela havia sido beijada pela primeira vez e tinha gostado. Tomou coragem e olhou
para Ethan, ele estava sorrindo e segurava a sua mão, embora ela não
conseguisse se lembrar de quando ele a havia pegado. Ela sorriu de volta.
Nunca
pensara em ter um namorado, pelo menos não um que não fosse um grande cantor ou
contador de histórias, que viajasse pelo mundo. Mas agora estava ali, com
alguém que a fazia se sentir diferente, alguém que ela não se importaria de
chamar de namorado. Enquanto pensava tudo isso viu, por cima do ombro de Ethan,
Haryn parado e olhando diretamente para ela. Mais uma vez ele sorria de forma
zombeteira e Demi soube na hora que ele havia visto tudo e se sentiu irritada,
soltando a mão de Ethan.
–
O que foi?
–
Nada, não foi nada. Vamos dar uma volta?
–
Claro.
Demi
percebia que Ethan estava confuso, mas precisava sair do alcance de visão de
Haryn, então andava depressa e Ethan teve que se apressar para alcançá-la.
–
Eu fiz alguma coisa errada, Demi? Se fiz, me desculpe!
–
Não, não... você não fez nada errado. – Disse ainda andando apressadamente.
Quando já estavam a uma distância considerável de onde Haryn estava, ela parou.
Estava muito irritada. Por que Haryn tinha que estragar tudo? Aquele momento
era dela, dela e do Ethan, por que ele tinha que estar lá e estragar tudo?
–
Demi, o que foi?
–
Nada. Eu só fiquei surpresa, foi só isso. Desculpe, Ethan. – Ela se sentou em
um tronco próximo.
–
Não precisa se desculpar! Está tudo bem se você não sente o mesmo por mim. –
Disse ele com voz triste.
–
Não! Não, não é isso. Como eu disse, eu só fiquei surpresa. Eu... eu também
gosto de você, Ethan. – Disse ela em voz baixa, voltando a enrubescer.
–
Gosta?
–
Sim.
Ele
estava sorrindo novamente. – Posso me sentar ao seu lado então?
–
Claro que sim.
Logo
depois ela já havia esquecido Haryn e todo o resto. Ficaram conversando por
muito tempo, até que perceberam que a música tinha parado, o que queria dizer
que estava na hora das histórias. Eles seguiram até o local onde estava o palco
e Demi se despediu de Ethan. Logo à frente encontrou Aisni com Artie e Bernie.
–
Onde você estava? – Perguntou Bernie.
–
Por aí, andando. – Aisni sabia que ela estava com Ethan e elas se entreolharam
com um sorriso. Mas não havia mais tempo para perguntas e respostas porque o
cantor estava no palco e já dedilhava a sua harpa.
Havia
sempre um cantor e um contador de história por noite, durante toda a
quinzentina e, como já era esperado, o cantor da noite de abertura cantaria
sobre o ritual da Última Renovação. Segundo ele a história era do verdadeiro
ritual e fora contada por um dos dragões do Norte. Todos ficaram em silêncio e
ele começou.
Cantou
sobre ameaças e guerras entre os homens de antigamente e os dragões e também
sobre como haviam chegado a um acordo de unirem seus sangues para o bem de
ambos, embora ele não tenha explicado o que os dragões ganhavam com essa união.
E depois começou a falar do ritual: uma dança macabra em que o homem se
mutilava inteiro e depois se jogava em uma fogueira acesa com o fogo de um
dragão, e quando o espírito do homem deixasse o corpo, era aprisionado em uma
garrafa com o sangue do dragão. Para renovar a aliança, o herdeiro do reino
deveria tomar o sangue da garrafa em que o espírito havia sido aprisionado.
Depois cantou o que deu errado na Última Renovação, dizendo que o mensageiro
que levava a garrafa ao reino foi emboscado e assassinado por um grupo errante.
Antes de terminar essa péssima canção, ainda disse que tal infortúnio ocorreu
por ter sido uma mulher e não um homem a participar do ritual.
Demetria
olhou para Josh e Haryn e os dois estavam se divertindo com a tosca
apresentação. Pessoas aplaudiam, mas mais por educação do que por qualquer
outro motivo. Era a pior versão que Demi já tinha ouvido.
–
Que porcaria é essa? Ele desconsiderou completamente o fato de Tomus ter sido
assassinado no mesmo dia, quando inventou essa balela de ter sido um acidente o
assassinato do mensageiro com a garrafa. E, sério? Um espírito aprisionado em
uma garrafa de sangue? Até a versão do churrasco de dragão é mais aceitável.
–
Sim, realmente. Essa foi a versão mais idiota que já ouvi. – Concordou Artie.
–
Meu pai conta que quando ele era menino, ele ouviu uma versão que dizia que um
homem e um dragão davam cem pulinhos de mãos dadas. – Disse Aisni e os quatro
amigos caíram na gargalhada e só conseguiram parar quando o contador de
história já começava seu conto.
Ele
contou a história de uma donzela que se apaixonara por um guerreiro inimigo.
Demi já ouvira essa história milhões de vezes, pois todos gostavam de contá-la.
Mas pela primeira vez ela não se importou em ouvir uma história de amor. Seu
coração se comoveu com o destino dos dois amantes e ficou se perguntando o que
Ethan teria feito com ela. Mas estava feliz, muito feliz.
Despediram-se
de Aisni, que foi para casa com sua família, e seguiram para a taberna. Demi
esperava que Haryn não estivesse por lá, não queria vê-lo. Quando chegaram em
casa, já passava das onze horas e Josh já estava lá, mas não Haryn, para alívio
de Demi.
–
E então, gostaram?
Todos
começaram a falar ao mesmo tempo e Josh sorriu, sabendo que, como sempre, eles
haviam adorado tudo. Menos uma coisa.
–
O que foi essa versão do ritual, pai?
Josh
sorriu. – Uma das piores, creio. Nem ao menos foi bem construída.
Eles
contaram da versão dos pulinhos e todos voltaram a rir.
–
Sim, eu me lembro dessa. – Disse Josh. – Lembro que o coitado do cantor nem conseguiu
terminar sua canção por causa das gargalhadas do público.
–
Qual foi a melhor versão que você já ouviu, Josh? – Perguntou Bernie.
Josh
pensou por alguns minutos antes de responder:
–
Acho que foi uma que ouvi quando era muito menino ainda, nem foi aqui em
Buruma. Era uma versão que falava da invocação de um poderoso espírito, mas não
me lembro direito, gostaria de ter anotado.
–
Parece boa mesmo. – Disse Artie; e depois de um momento em que ficaram todos
pensativos, Bernie falou:
–
Bem, temos que ir dormir porque amanhã tem mais e ainda temos mais quatorze
versões para ouvir, provavelmente.
–
Sim, sim, é verdade. Boa noite a todos vocês e até amanhã. Podemos ir um pouco
mais tarde amanhã, né, Demi?
–
Claro.
Depois
que eles saíram, Demetria ainda ficou sentada por um tempo e Josh perguntou se
havia alguma coisa errada.
–
Não, não tem nada. – Respondeu Demi. Não gostava de esconder nada de Josh, mas
não queria contar sobre Ethan. Não agora, talvez outro dia. Mas aproveitando o
momento com o pai, resolveu perguntar sobre Haryn.
–
Pai, por que mesmo você é amigo do Haryn?
–
Isso de novo?
–
Você nunca me respondeu.
–
Eu gosto dele.
–
Mas por quê? Ele é ignorante, insensível e irritante.
–
Filha, Haryn não é nada dessas coisas, você só não o conhece muito bem.
–
Como não? Eu o conheço desde que me entendo por gente.
–
Não o mesmo Haryn que eu. E chega desse assunto! Eu sei que minhas palavras não
vão te convencer de nada, mas garanto que um dia você vai mudar de opinião
sobre ele.
–
Acho muito impossível.
–
Eu sei que acha. Boa noite, Demetria.
–
Boa noite.
Demi
estava irritada novamente. Seu pai nunca lhe dizia nada sobre Haryn e isso era
frustrante. Não conseguia entender. Provavelmente Haryn estava enganando seu
pobre pai. Mas, enquanto subia para o seu quarto seu pensamento voou para Ethan
e momentos mais agradáveis e lembrou-se de como era bom ter alguém que gostasse
dela. Ela foi dormir se sentindo bem, apesar de Haryn.
Quando
acordou, Demetria estava assustada. Sonhara com a história contada na noite anterior
e ela era a donzela, mas o guerreiro era Haryn. Ficou brava consigo mesma por
sonhar tal bobagem e se convenceu que sonhara esse absurdo por causa das
palavras de Josh. Tentou esquecer o sonho idiota, mas não conseguiu,
principalmente quando desceu para tomar café e encontrou Haryn com Josh.
–
Bom dia, pirralha! Tudo bem?
O
tom de zombaria era ainda maior hoje. Demi não respondeu. Passou direto pela
taberna, desistindo do café e indo encontrar seus amigos. Mas eles não estavam
lá.
–
Onde estão Artie e Bernie?
–
Já foram. Eu ia te falar, mas nem deu tempo, você já estava saindo porta afora.
Eles pediram para avisar que, como você estava demorando muito para acordar,
iam te esperar no pavilhão.
–
No pavilhão? Mas foram eles que quiseram dormir até mais tarde!
–
Demetria, já são quase duas horas da tarde.
Demi
estacou. Não podia acreditar que passara tanto tempo dormindo, ainda mais um
sono de tão má qualidade que produzira sonho tão desagradável.
–
Parece que tantos beijos ontem à noite te deixaram meio atordoada, hein,
pirralha. – Disse Haryn claramente se divertindo.
Demetria
queria matá-lo. Que direito ele achava ter de discutir sua vida assim?
–
Vai se ferrar, Haryn! – Disse saindo de casa e batendo a porta.
–
Por que você a provoca tanto?
–
É engraçado.
–
Ela te odeia.
–
Eu sei. E deve estar me odiando mais ainda agora. – Disse Haryn com um olhar
triste.
–
Provavelmente. E se eu não te conhecesse diria que é exatamente o que quer.
Haryn
olhou-o, mas não respondeu.
Demi
saiu da taberna e começou a chorar. Como aquele homem horrível podia existir e
estragar tudo? Sentou-se em um tronco e chorou toda a sua raiva. Quando
levantou os olhos Artie e Bernie estavam lá.
–
Desde quando estão aí?
–
Desde que você saiu da taberna. O que aconteceu, Demi? – Perguntou Bernie se
sentando ao seu lado. Artie estava parado em sua frente.
Demi
percebeu que se fosse contar sobre o que acabara de acontecer, teria que contar
sobre a noite anterior e não sabia se queria isso. Mas como Aisni tinha dito,
eles eram seus amigos e tinham o direito de saber.
–
Ethan me beijou ontem.
–
Nós sabemos.
–
Como?
–
Nós vimos.
–
Vocês viram? Mas... ah, tudo bem. Então, Haryn também viu. E vocês sabem como
ele é um homem horrível e hoje contou para Josh.
–
Mas você acha que tem problema o Josh saber?
–
Não, não é isso! Mas ele não tem direito de ficar falando da minha vida por aí,
ele é um homem detestável e nojento e eu o odeio, odeio!
–
Calma, Demi. Ele gosta de te provocar. Se você não der atenção, ele vai parar,
você vai ver.
–
Mas eu não consigo!
–
Bem, você vai ter que tentar, né? Afinal o Josh gosta dele e Haryn ainda vai
estar por aqui por um bom tempo.
–
E como você sabe disso? – Perguntou Demi, irritada. – Ele pode morrer amanhã,
ou hoje!
–
Se é nisso que você quer acreditar, tudo bem.
Demi
agora estava irritada com os amigos. Deviam concordar com ela e insultar Haryn
junto com ela, mas não. Preferiam tentar fazer com que ela esquecesse e
deixasse para lá. Ela se levantou, enxugando os olhos e saiu sem dizer nada. Os
dois amigos a seguiram e sabiam que ela estaria de péssimo humor pelo resto do
dia.
Depois
de andarem por um tempo sem dizer nada, Aisni apareceu e Artie e Bernie
disseram que iriam dar uma volta para deixarem as meninas sozinhas. Demi contou
a Aisni o que tinha acontecido e, depois de ela concordar veementemente com
Demi, ela se sentiu um pouco melhor. Depois conversaram sobre suas aventuras na
noite anterior. Aisni contou que Bunn havia pedido para namorar e que ela havia
aceitado. Demi ficou muito feliz e contou sobre o que acontecera com Ethan e
Aisni disse que tinha certeza de que ele também a pediria hoje.
–
Você vai aceitar?
Demi
pensou no quanto se sentia bem com ele e a mudança que sentira na noite
anterior antes de responder:
–
Sim, acho que sim.
As
duas amigas continuaram passeando até encontrarem um aglomerado de pessoas
reunidas em torno de Bernie. Ele estava contando uma de suas histórias, a de um
grande mago que se cansara de magias e fora viver nas montanhas com os grandes
pássaros. Demi conhecia a história, mas parou para ouvir, pois a voz de
Bernardo contando uma história era algo mágico, mesmo que você já conhecesse a
história de cor. Todas as pessoas ao redor olhavam-no com grande admiração e
não se ouvia um único ruído.
Quando
ele terminou todos aplaudiram e pediram mais histórias, mas ele disse que já
era o suficiente para aquele dia. Demi foi até ele para se desculpar pelo seu
comportamento anterior, mas antes que começasse ele disse:
–
Não precisa se desculpar.
Ela
parou e olhou-o, curiosa. Ele começou a rir e abriu os braços para ela.
–
Menina teimosa!
Ela
correu para abraçá-lo. – Urso bobo!
Aisni
se aproximava com Artie e eles conversavam animadamente. Demi se virou para
tentar se desculpar com Artie, mas ele já estava dizendo que não precisava.
–
O que acontece com vocês dois?
–
Simples! Nós te conhecemos bem demais.
–
Aparentemente mais do que deviam.
–
Ah, você não tem ideia.
Todos
riram.
A
tarde já estava no fim, mas hoje ninguém iria para casa. A noite caiu, as
lamparinas começaram a se acender e as estrelas já brilhavam no céu, mas era
uma noite sem lua. Ethan e Bunn chegaram e Artie e Bernie foram passear para
deixarem as meninas a sós.
Demi
não se importava se alguém a visse de mãos dadas com Ethan hoje. Josh já sabia,
seus amigos já sabiam e era isso que importava. Como Aisni previra, ele a pediu
em namoro e ela disse sim. Naquela noite não ouviram a versão do ritual e nem a
história. Nem naquela noite nem em nenhuma outra daquela semana.
Na
semana seguinte Josh abriria a taberna, mas ele sempre dispensava Demi e Bernie
dos trabalhos. E na hora das histórias ele sempre estava lá. Era sua maior
diversão ouvir as versões absurdas do último ritual. Demi desconfiava de que
ele mantivesse um registro de todas as versões, depois de ter esquecido a sua preferida.
Na
primeira noite da segunda semana, mesmo Demi e Ethan foram ouvir as histórias,
pois era na última semana que os melhores cantores se apresentavam. Na segunda
noite, o cantor cantou uma canção sobre uma guerra antiga e todos aguardaram
com excitação pela história, pois sabiam que seria sobre a Última Renovação.
Até aquele momento da quinzentina, não tinha havido histórias sobre isso, só
canções, por isso a expectativa era grande. Até mesmo Josh e Haryn pareciam
inquietos e trocavam olhares significativos.
Quando
o contador subiu ao palco fez-se silêncio absoluto e Bernardo soltou um rugido
baixo.
–
O que foi, Bernie? – Perguntou Artie.
–
Não sei, não fui com a cara dele.
O
homem tinha cabelos e olhos negros, mas era pálido como a lua. Vestia roupas
azuis simples e Demi não via nada de especial nele, mas os olhos dos ursos eram
mais perscrutadores e ela acreditou no amigo, antipatizando imediatamente com a
figura do homem.
Quando
ele começou a falar, sua voz parecia uma música hipnotizante e ninguém
conseguia desviar o olhar ou deixar de ouvir.
Há muitos e muitos anos existia um
ser muito sábio e poderoso e ele andava livre pelas montanhas e florestas do
nosso mundo. Não servia a ninguém e era amigo de todos e por este motivo lhe
doía a alma ver dois de seus povos preferidos em guerra: os homens e os
dragões. Então este ser tão sábio decidiu propor um acordo entre ambos, uma
aliança. Eles se uniriam pelo sangue e, dessa forma, jamais guerreariam entre
si novamente. Com esta aliança de sangue os homens ganhariam mais tempo de
vida, seriam mais belos e mais poderosos e teriam acesso ao conhecimento da
natureza e do mundo que só os dragões possuíam; já os dragões ganhariam todo o
conhecimento adquirido pelos homens através das leituras dos pergaminhos de
anos e mais anos, a sabedoria que resultara de tal conhecimento, a capacidade
de ter sentimentos, de amar, e de pensar racionalmente. Os dragões não estavam
completamente convencidos de que a aliança valia a pena, mas Ulmur, o Grande,
convenceu-os dizendo que, acima de tudo, eles teriam paz. Mas o preço para tal
aliança era alto. Tanto Ulmur quanto Shaian, o grande rei dos homens, tinham
que se sacrificar para que a união fosse possível. Ninguém nunca soube como
esse sábio ser convenceu-os a se sujeitarem a isso, mas o sacrifício foi feito
e a união entre as raças, estabelecida. Sobre esse ritual inicial, nada posso
contar-lhes, mas o ritual tinha que ser repetido, de maneira simbólica, a cada
mil anos, quando a lua aparece no céu coroada pelas cinco estrelas da vida.
Então, a cada mil anos, um representante humano do sexo feminino e um
representante da raça dos dragões, também fêmea, se encontravam na clareira da
União, onde o tal ser sábio fazia uma invocação do espírito de Ulmur e de
Shaian, com uma gota de sangue de cada representante e palavras em uma língua
estranha, só conhecida por ele. Quando os espíritos apareciam, a mulher humana
devia fazer uma escolha: carregar a criança em seu ventre ou colocá-la em um
ovo de dragão. Se escolhesse a primeira opção, tudo o que teria que fazer era
receber o sopro de Ulmur e Shaian. Mas se escolhesse a segunda opção, teria que
se sacrificar, assim como Ulmur e Shaian, para que com sua vida garantisse a
gestação de seu feto em um seguro ovo de dragão, que eclodiria quando fosse o
tempo. Não antes, nem depois. Por este motivo a fêmea do dragão era escolhida
entre as últimas a terem chocado um ovo, pois ela tinha que levar ao ritual seu
último ovo eclodido, com nenhuma parte faltando. E quando esse era o caminho
escolhido pela humana, ela se mataria com um punhal específico, trazido pelo
ser sábio, seu sangue seria recolhido no ovo da fêmea dragão, com todos os
pedaços juntos, e então Ulmur e Shaian soprariam sobre o ovo. A segunda opção
nunca fora escolhida, até a Última Renovação. Tomus já sabia do perigo que sua
linhagem corria, embora nunca tenha sido descoberta a fonte de seu
conhecimento. Alguns dizem ser pela ligação com os dragões, outros dizem que
ele foi alertado pelo ser sábio, mas nunca saberemos. O fato é que quando teve
que enviar sua rainha ao ritual, já tinha tudo planejado para salvar ao menos
um de sua linhagem. Enviou junto com ela uma criada, muito parecida com a
esposa, para que esta retornasse como sua rainha, grávida, após ter escolhido a
primeira opção. Tomus sabia que aquele que procurava exterminar sua linhagem
tinha conhecimento do ritual e sabia que estariam aguardando sua esposa para
matá-la, com seu herdeiro em seu ventre, logo após terem lhe assassinado em seu
castelo. A rainha se sacrificou, escolhendo a segunda opção e colocando sua
criança a salvo em um ovo de dragão. E assim a criada foi enviada para a morte,
como se fosse a rainha. E foi assim que ao menos um membro da linhagem dos
homens do sangue do dragão se salvou. Se o ovo já eclodiu, eu não posso lhes
dizer, mas posso lhes garantir que ouviram, pela primeira vez, a verdadeira
história do ritual entre dragões e homens.
Ninguém
aplaudiu. As pessoas nem pareciam respirar. O homem se curvou e saiu do palco.
Bernie e Artie não falaram nada, se entreolharam e Demi percebeu que estavam
assustados.
–
O que foi?
–
Demi, precisamos ir para casa, agora! – Disse Artie.
–
Por que, o que foi?
–
Nada, Demi. – Disse Bernie mais calmo. – Mas como eu disse, não fui com a cara
desse sujeito e essa história me irritou, podemos ir para casa, por favor?
–
Mas essa foi a melhor versão que já ouvi, até parece com a que Josh se
esqueceu. – Disse Demi olhando ao redor procurando por Josh, mas ele não estava
lá. – Onde está Josh?
–
Ele já foi para casa, podemos ir?
–
Sim, mas preciso encontrar Aisni, ela ficará em casa essa noite.
–
Vá com Artie que eu a encontro e a levo para casa – disse Bernie.
Demi
estava completamente perdida, mas não discutiu, percebeu que seus amigos
estavam agitados e, mesmo ela, sem saber o motivo, estava se sentindo inquieta.
Ainda estava de mãos dadas com Ethan, que não estava entendendo nada.
–
Posso te acompanhar até a sua casa?
–
Sim, acho que sim.
Demi,
Artie e Ethan seguiram para a taberna e quando chegaram ouviram vozes lá dentro.
Artie entrou para deixar Demi se despedir de Ethan.
–
Bom, acho que tenho que ir. Até amanhã, então.
–
Até amanhã. – Mas Ethan não parecia querer ir embora. Demi beijou-o na face
direita, depois na esquerda e depois nos lábios.
–
Te vejo amanhã, boa noite!
–
Boa noite, Demi. Até amanhã!
Demi
se sentia triste, mas não sabia por que. Talvez fosse só pela agitação dos
amigos, mas sentia vontade de chorar. Antes que chegasse até à porta da taberna
Bernie apareceu com Aisni e todos entraram juntos. Josh e Haryn estavam
conversando baixo e apressadamente e Artie os ouvia quando Demi e os outros
entraram. Eles pararam imediatamente.
–
Demi, que bom que você chegou. Deve estar cansada.
–
Não, eu quero saber o que está acontecendo.
–
Não hoje, está tarde e não é nada demais – Disse Haryn e olhou-a
significativamente, sem zombaria, sem chamar-lhe de pirralha. E Demi entendeu.
Não ouviria nada com Aisni ali.
–
Está bem, então. Vamos dormir, Aisni.
Aisni
estava um pouco confusa, mas não tinha ideia do que tinha acontecido, então
aceitou o chamado e elas subiram as escadas, desejando boa noite a todos.
–
O que eles estão discutindo?
–
Nada demais, deve ser para decidir como a taberna vai funcionar amanhã.
–
Ah. A versão de hoje foi boa? Não ouvi.
–
Foi normal. – Demi não sabia o que falar. Achava que a tal versão era o motivo
te toda a apreensão e não queria falar sobre isso com Aisni.
–
Nossa, estou muito cansada, você não? – Disse Demi.
–
Sim, nossa! Muito cansada. – Respondeu Aisni.
Demi
a colocou na cama e deitou-se no colchão de palha ao lado da parede. Não achava
que conseguiria dormir, mas não conseguiu segurar o sono por muito tempo; no
fim das contas devia estar mesmo muito cansada.
No
meio da noite acordou com Haryn sacudindo-a.
–
Demi, acorde! Acorde!
–
O que foi?
–
Você tem cinco minutos para pegar algumas coisas, vamos viajar.
–
Como assim? Quem? Aonde vamos?
–
Sem tempo para perguntas, ande logo ou se arrependerá.
–
Não posso deixar Aisni aqui.
Haryn
olhou-a por um momento e depois de dizer um palavrão concordou:
–
Tudo bem, acorde-a e traga roupas para ela também. E traga roupas de frio e
pegue alguma comida.
Demi
não teve tempo de perguntar mais nada e pelo tom de Haryn e o fato de ele tê-la
chamado de Demi, sabia que não havia tempo para teimosias.
Acordou
Aisni e com o mínimo de explicações possíveis, disse que iriam fazer algo
inusitado e divertido e que era uma surpresa. Pegou o que pôde, de acordo com
as instruções de Haryn, e enquanto descia as escadas, pensava em ir avisar seus
amigos no fundo da taberna, mas eles já estavam esperando.
–
Vocês também vão?
–
Sim. Está pronta?
–
Sim, eu acho.
Nesse
momento Haryn saiu apressado e disse:
–
Vamos indo, Josh nos encontrará depois. Vamos!
Ainda
estava escuro e havia muitas estrelas no céu, devia faltar muito tempo para a
aurora. Todos pareciam com pressa, então Demi também se apressou, fazendo Aisni
a acompanhar.
Depois
de uns 20 minutos de caminhada, estavam quase saindo da aldeia, quando Demi
olhou para trás e viu uma luz muito brilhante.
–
O que é aquilo?
Ninguém
respondeu.
–
Haryn, o que é aquilo? – Gritou.
–
Fogo.
–
Precisamos voltar e avisar as pessoas, está se espalhando e vai chegar às
casas! – Demi estava desesperada, mas ninguém parecia se importar, além de
Aisni, que estava muito apavorada agora.
–
Precisamos voltar agora! – Gritou Demi, parando. Haryn voltou-se, olhou em seus
olhos e disse:
–
Já estão todos mortos, Demi. Não há nada que possamos fazer.